Quem é a Brookfield, a empresa canadense que investiu quase R$ 27 bilhões no Brasil em 5 anos
Empresa, que aproveitou a crise para comprar negócios de companhias em apuros como Odebrecht e Petrobras, anunciou investimento na Renova nesta terça; criada em 1889, construiu bondes elétricos de São Paulo e Rio e foi dona da Light.
A canadense Brookfield anunciou nesta terça-feira (27) um aporte de R$ 650 milhões na Renova Energia. Esse é mais um dos negócios fechados pela empresa, que nos últimos anos aproveitou a crise econômica e veio às compras no Brasil. De 2013 para cá, ela investiu quase R$ 27 bilhões por aqui, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e da própria empresa.
Os valores não consideram os aportes feitos por empresas nas quais a Brookfield tem participação, como a Arteris, dona de concessões das rodovias Fernão Dias e Regis Bittencourt. Eles também não consideram o negócio fechado com a Renova.
A Brookfield é uma gigante global em gestão de ativos, com US$ 265 bilhões aplicados em negócios e investimentos em mais de 30 países. A companhia é considerada low profile e pouco conhecida dos brasileiros – apesar de ter começado seu negócio no país como fundadora da Light e ter sido uma das responsáveis pela iluminação do Cristo Redentor (leia mais abaixo).
Seus executivos são avessos a entrevistas e sua estratégia de negócios é revelada em raras declarações à imprensa. A empresa foi procurada peloG1 e não quis dar entrevista.
A empresa é especialista em aproveitar crises para investir onde poucos têm coragem (ou dinheiro). E foi protagonista nas aquisições no Brasil nos últimos anos. Entre os negócios em que investiu estão ativos de energia e infraestrutura de empresas atingidas em cheio pela recessão e pela operação Lava Jato, como Odebrecht e Petrobras.
No total, a Brookfield tem aproximadamente R$ 60 bilhões aplicados no Brasil e um time local de 16 mil funcionários, incluindo profissionais de investimento e de operações.
O que ela comprou
Veja onde o dinheiro foi aplicado de 2013 para cá:
- Investimentos em ativos florestais no valor de R$ 1,3 bilhão
- Compra de 26% da VLI por R$ 1,9 bilhão
- Compra de ativos do grupo Energisa por R$ 1,8 bilhão
- Compra de 7 imóveis da BR Properties por R$ 2,07 bilhões
- Compra de 90% da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) da Petrobras, por R$ 16 bilhões (parte do investimento foi vendido posteriormente para a Itaúsa por cerca de R$ 1,4 bilhão)
- Compra de 70% de participação na Odebrecht Ambiental (agora chamada BRK Ambiental), por R$ 3,2 bilhões
- Compra de torre da incorporadora EzTec por R$ 696 milhões
- Compra do controle de uma concessão rodoviária (a Rutas de Lima) e de um projeto de irrigação (Olmos) que a Odebrecht tinha no Peru
Além desses investimentos, a Brookfield se associou à espanhola ACS para administrar as concessões de quatro linhas de transmissão que a companhia detinha, em 2016. Posteriormente, junto com a parceira, arrematou outras três. Os sete projetos, juntos, somam 4,2 mil quilômetros de linhas de transmissão e demandarão aportes de R$ 9 bilhões até 2020.
A companhia fechou ainda, em 2015, um contrato para construir a nova sede da L’Oréal no Rio de Janeiro, por um valor não divulgado. A canadense é dona de 70% do imóvel, que fica no Porto Maravilha e foi entregue em julho deste ano.
Ela ainda é cotada como possível compradora para alguns negócios que estão na mesa: a venda pela Petrobras de uma participação na Braskem (que é controlada pela Odebrecht), a venda da companhia de energia Âmbar pela JBS, e a venda de concessões rodoviárias detidas pela Odebrecht Transport.
Dinheiro ‘sobrando’ na recessão
Com dinheiro na mão e analistas em todo canto do mundo, a Brookfield costuma aproveitar as crises – quando muitas empresas se desesperam para fazer caixa e há poucos recursos disponíveis no mercado – para comprar ativos baratos e sem competição.
É o que presidente do grupo, Bruce Flatt, chama de estratégia “do contra” (ou contrarian, em inglês). “Nosso negócio é levar dinheiro a investimentos e países que acreditamos que no longo prazo serão bons, mas onde a maioria das pessoas não tem capital disponível ou operadores para aproveitar essas oportunidades”, resumiu o executivo à Bloomberg TV em 20 de setembro.
Para ele, os aportes no Brasil, intensificados nos últimos 18 meses, são o maior exemplo desse modelo de investida.
“Não havia investidores estrangeiros no país [quando a Brookfield começou a comprar ativos] e a maioria dos investidores locais não tinha dinheiro sobrando para fazer apostas. E, assim sendo, a maioria das incríveis concessões que conseguimos nos últimos dois anos (…) foram compradas sem nenhum comprador disponível competindo com a gente. Isso nem sempre garante sucesso, mas geralmente favorece bons retornos”, disse na mesma entrevista.
Trajetória a partir do Brasil
Foi no Brasil que toda a Brookfield nasceu, há mais de cem anos. Ela foi fundada em 1889 por dois investidores canadenses para lançar os primeiros bondes elétricos de São Paulo e do Rio de Janeiro, com o nome de Light (sim, a mesma Light atual). Foi a primeira fornecedora de serviços de transporte e eletricidade do país.
Em 1912, a empresa foi listada na bolsa de Toronto. Com o dinheiro captado, começou a investir em ativos imobiliários e de energia renovável e infraestrutura – começava aí a nascer uma firma de investimentos internacional.
A Brookfield se separou da Light aos poucos, vendendo suas ações para o governo (federal e dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro). A saída dos negócios começou em 1963, quando ela repassou os serviços de bonde elétrico ao antigo estado da Guanabara (hoje a cidade do Rio) e terminou em 1981, quando a Eletropaulo, que ainda era uma estatal, assumiu as operações de energia no Estado de São Paulo.
Por aqui ela ficou conhecida pela sua empresa imobiliária criada em 1978, a Brascan – nome que mistura sua origem brasileira e canadense. Em 2009, ela foi rebatizada de Brookfield Incorporações, após comprar as concorrentes Company, MB Engenharia e Tamboré.
E, neste ano, trocou novamente seu nome para Tegra. A mudança é parte de um reposicionamento de marca iniciado em 2014, quando a controladora Brookfield Asset Management comprou as ações que ela tinha na bolsa brasileira e fechou seu capital por aqui, tornando-a sua subsidiária integral.
Além de atuar no ramo imobiliário, a empresa também é uma das donas da concessionária Arteris, que administra nove concessões de rodovias, entre elas a Autopista Fernão Dias e a Regis Bittencourt, e da VLI, antigo braço de logística da Vale.
Como funciona o negócio da Brookfield
A consolidação como uma empresa de gestão de ativos se deu nos anos 2000, quando a companhia começou a convidar outros investidores privados para formar parcerias e aportar dinheiro nos seus negócios. Foi em 2001, já sob direção de Bruce Flatt, que ela lançou seu primeiro fundo para terceiros, o Brookfield Capital Partners I.
A partir daí, a empresa só cresceu e expandiu sua presença mundial, comprando e reestruturando empresas do ramo na Austrália, Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo.
O grupo todo tem mais de 70 mil funcionários operacionais e administra US$ 265 bilhões em ativos no mundo. A divisão de investimento em imóveis comerciais é o principal negócio, com cerca de US$ 150 bilhões em ativos administrados. Em seguida vem os investimentos em infraestrutura, que somam cerca de US$ 40 bilhões.
As unidades de energia renovável e de private equity (que compra participações em outras empresas) somam respectivamente US$ 30 bilhões e US$ 24 bilhões investidos. Todas as quatro divisões são estruturadas como empresas têm capital aberto.
O grupo capta dinheiro em bolsa por meio dessas companhias e também de fundos privados e negociação de títulos públicos. E investe nos negócios, com a expectativa de valorizá-los.
Sob sua administração estão diversos imóveis comerciais; serviços públicos de transporte; geração transmissão e distribuição de energia (com mais de 260 hidrelétricas e parques de energia eólica); além de investimentos em empresas de variados segmentos por meio da divisão de private equity.
Nos primeiros nove meses deste ano, as receitas de todo o grupo somaram US$ 27,7 bilhões, contra US$ 17,4 bilhões no mesmo período de 2016, alta de 58,62%, segundo balanço não auditado divulgado pela empresa.
O lucro líquido chegou a US$ 2,4 bilhões no acumulado até setembro, ante US$ 3,2 bilhões em igual intervalo de 2016, queda de 23,8%. O resultado do ano passado havia sido inflado por créditos tributários.
No balanço, a empresa menciona que está “progredindo em várias grandes expansões” de projetos em operações de pedágio e transmissão de eletricidade no Brasil.
Crises no Brasil
Durante o longo histórico no Brasil, a Brookfield enfrentou algumas crises. A empresa teve o nome envolvido em dois escândalos de corrupção: o “caso Aref” e a “máfia do ISS”.
No primeiro, uma ex-diretora da Brookfield Gestão de Empreendimentos (BGE), a administradora de shoppings do grupo, disse ter pagado R$ 1,6 milhão em propina a pessoas ligadas a Hussain Aref Saab, em 2012. Ele comandava o departamento que aprova o licenciamento de novos empreendimentos na prefeitura de São Paulo e teria acelerado a liberação de shoppings construídos pela companhia, ainda que eles tivessem irregularidades. A negociação envolveria o shopping Pátio Paulista e o shopping Higienópolis, na região central da capital paulista. Aref chegou a ter mais de 100 apartamentos, avaliados em mais de R$ 100 milhões.
A Brookfield alega que uma executiva fez a acusação para conseguir embasar um pedido de indenização trabalhista por ter sido demitida em 2010. Segundo a empresa, ela foi desligada por ter desviado R$ 1,5 milhão da companhia em esquema com seu marido e laranjas. A Brookfield afirma que conseguiu decisão favorável da Justiça na primeira e segunda instâncias do processo, no qual a diretora foi condenada a pagar cerca de R$ 600 mil.
As declarações dela geraram inquéritos civis e policiais contra a Brookfield e alguns de seus executivos – segundo a empresa, a maioria deles foi arquivada por ausência de provas e os demais seguem parados. As denúncias também culminaram em fiscalizações em shoppings administrados pela companhia, que terminaram “sem obras embargadas ou funcionamento interrompido”, de acordo com a companhia. Porém, a prefeitura de São Paulo encontrou irregularidades nos estacionamentos tanto do shopping Paulista quanto do Higienópolis.
A Brookfield processou a executiva, seu marido e laranjas. Segundo ela, o grupo foi indiciado por falsidade ideológica, estelionato e uso de documentos falsos. A ação ainda corre na Justiça.
No segundo caso, em colaboração com investigação do Ministério Público, a construtora da companhia admitiu ter pagado R$ 4 milhões a fiscais da prefeitura de São Paulo como propina para que eles permitissem a sonegação do Imposto Sobre Serviços (ISS), em 2014.