Quero investir em startups!

A moda agora é investir em startups. Praticamente toda semana eu recebo uma mensagem de alguém perguntando o que deve fazer para se tornar um investidor-anjo. Tentei colocar nessa coluna os principais pontos que venho discutindo com esses amigos e conhecidos, pensando que talvez possa ser útil para outras pessoas que desejam entender melhor como funciona esse ecossistema de investimento de risco em empresas early stage do país.

Primero de tudo, vamos a um conceito: o investidor-anjo é alguém que aloca seus recursos pessoais em uma empresa em estágio inicial que, muitas vezes, é apenas uma boa ideia ou que está começando a faturar os primeiros reais. Em sua maioria, eles são profissionais que já empreenderam ou que têm uma grande experiência em um determinado setor da economia. Os investimentos costumam variar de R$ 10 mil a R$ 1 milhão. Eles normalmente entram juntos ou logo após aquele dinheiro que é levantado pelo empreendedor junto a familiares e amigos. De certa forma, a chegada do Anjo é o primeiro passo do processo de “profissionalização” da startup.

Dito isso, a pergunta número 1 que faço a alguém que deseja se tornar um Anjo é bem simples: por quê? Qual é o seu objetivo com isso? A resposta pode parecer óbvia, mas é interessante dizer que nem todo mundo quer se tonar um investidor com objetivo exclusivo de lucrar com esse tipo de operação. Para ser mais preciso, existem dois tipos de motivações:

1. Sim, é claro, existem aqueles que respondem que querem ganhar dinheiro. Diante de um cenário de Selic cada vez mais baixa, algumas pessoas estão atrás de alternativas de investimento e entendem que as startups podem ser esse caminho por seu incrível potencial de retorno;

2. Mas existem também aqueles que querem, de alguma forma, fazer parte deste fascinante universo. Não estão tão preocupados com a rentabilidade, querem, na verdade, contribuir com as empresas, apoiar o crescimento do ecossistema, estar perto dos empreendedores ou apenas conhecer a lógica dessa tal Nova Economia.

Confesso que gosto mais do segundo grupo. Não sou um romântico, longe disso. Estou tentando ser realista. Preste muita atenção. É muito pequeno o percentual de pessoas que irão investir em startups por contra própria e ganhar algum dinheiro com isso. Tem sempre aquele sujeito que assiste o filme da história do Facebook e já fica imaginando como vai gastar seus milhões com o IPO da startup que acabou de descobrir. Por um motivo óbvio, nunca são feitos filmes sobre todas as startups que não deram certo. Mas talvez devessem.

Investimento de risco

Uma pesquisa conduzida por um professor da Harvard Business School tentou colocar um número nessa realidade: 75% das startups que recebem investimento fecham as portas sem dar retorno aos seus investidores. Nenhum retorno, nada, zero. Por isso, aqueles que querem investir em startups precisam entender, antes de qualquer coisa, que esse é um investimento de altíssimo risco.

É claro que algumas vezes dá certo – e então os retornos podem ser estratosféricos. É conhecida a história de que o cantor Bono Vox teria ganho mais dinheiro no IPO do Facebook do que em toda sua carreira à frente do U2. Em seis anos, seu fundo, o Elevation Partners, teria ganho cerca de US$ 1,5 bilhão com a rede social mais famosa do globo ou 50% a mais do que seu patrimônio acumulado com a música. São esses casos que incentivam cada vez mais pessoas a investirem em startups. Mas, de novo, não será fácil ficar rico assim.

Quando alguém investe em uma empresa, esse investidor e o empreendedor se tornam sócios. Isso porque o fundador da startup concorda em abrir mão de um percentual do seu negócio em troca do capital. Ele precisa desse dinheiro para estruturar seu crescimento.

Ok, por onde começo?

Se após ler esse disclaimer, você ainda tem interesse em seguir adiante, queria dizer que hoje existem basicamente três maneiras de investir em uma startup no Brasil. A primeira delas é avançar por conta própria. Em algum momento, você conhece um grupo de garotos(as) que querem criar um negócio, vê potencial naquilo e deseja alocar parte dos seus recursos pessoais para apoiá-los. Este tipo de movimento é mais recomendado para pessoas que já têm alguma experiência com investimento ou com startups. O risco é proporcional ao prêmio. Mas aquele que decide ir sozinho deve lembrar que terá de encontrar uma startup, fazer uma avaliação do negócio e dos empreendedores, entender o mercado de atuação, validar a proposta de valor, olhar para o financeiro e definir valoração da companhia, entre outras tarefas – tudo sozinho. Se já é difícil para quem ganha a vida fazendo isso, imagine para um aventureiro?

É por isso que cada vez mais gente tem escolhido não seguir sozinho e partir para a segunda opção, que é investir em conjunto com investidores-anjo profissionais, associações de investidores-anjo e sindicatos de investidores. São entidades capazes de dar todo o suporte para quem quer entrar nesse mundo, mas tem pouco conhecimento. É claro que isso tampouco é garantia de retorno. Por isso, antes de se associar a uma dessas entidades, tente aprender o máximo possível sobre ela. Pesquise quem são seus fundadores, entenda que tipo de startup eles buscam, conheça seu portfólio e, se possível, converse com gente que já figura entre os investidores. Isso deve ajudar na sua decisão.


Mais recentemente, a instrução 588 da CVM regulamentou uma prática conhecida como equity crowdfunding que abriu um novo filão. É a terceira maneira de se tornar um investidor-anjo. Simplificando ao máximo, o equity crowdfunding é uma plataforma de financiamento coletivo. As startups apresentam seus projetos e dizem quanto dinheiro precisam e de qual percentual estão dispostas a abrir mão. Os investidores que acreditam na proposta colocam seus recursos numa espécie de “vaquinha virtual” e se tornam sócios daquela empresa. A parte mais legal é que, com apenas R$ 1 mil, você já pode se tornar um investidor.

Perspectiva financeira e legal

Qualquer que seja a forma escolhida para se tornar um investidor, é preciso tomar alguns cuidados. De novo, trata-se de um investimento de risco e é possível que se perca 100% do valor investido. Não há garantias. Por isso, inicialmente a recomendação é que se assuma um risco calculado, investindo um valor que não seja tão representativo. Aquele famoso dinheiro que não vai fazer falta se for perdido. Segundo, é importante entender que esse é um investimento de médio/longo prazo. Se você está buscando retorno imediato, esse não é seu lugar. Por fim, é possível que a startup em que você investiu tenha um grande valor no papel, mas que não seja possível sacar esse dinheiro. Os investidores normalmente só conseguem reaver o valor investido nos chamados eventos de liquidez, uma venda ou uma nova rodada de investimento. Quer dizer, seu dinheiro pode ter se valorizado, mas talvez não haja liquidez em um determinado momento.

São necessários ainda uma série de cuidados na perspectiva legal. “A escolha do modelo jurídico de investimento é tão importante quanto a escolha da startup em que o investimento será feito. A escolha do modelo errado pode criar riscos patrimoniais para o investidor ou comprometer substancialmente o valor do retorno, mesmo em casos de sucesso”, diz Luis Felipe Baptista Luz, sócio do Baptista Luz Advogados, escritório especializado em investimentos em startups, internet e tecnologia.

Se você leu esta coluna até aqui, não posso encerrar sem deixar algumas dicas práticas que podem te ajudar na hora de tomar uma decisão de investimento. Se eu pudesse dar apenas três dicas a futuros investidores-anjo, elas seriam:

1. Você investe em pessoas
Gaste um bom tempo conhecendo os fundadores da startup com que você está conversando. Avalie seus pontos fortes e fracos. Veja se eles são complementares em termos de habilidades. Conheça seus históricos. Tente analisar sua capacidade de resolver problemas e tomar decisões rápidas em situações complexas. No fim do dia, é nas pessoas que você está investindo.

2. Empreendedores precisam mais do que apenas dinheiro
No estágio de investimento-anjo, as startups vão precisar de muito mais do que capital. Eles vão precisar do seu cérebro. Invista no que você conhece. Avalie se você tem tempo e condições de ajudar aquela startup com seu conhecimento do setor, experiência ou sua rede de contatos, por exemplo. Dinheiro é commodity, é todo o resto que vai fazer a diferença.

3. Planeje seu investimento
É muito difícil acertar investindo em uma única empresa. Por isso, a recomendação é que se faça mais de um investimento para aumentar suas chances de ser bem-sucedido. Além disso, para não ter sua participação muito diluída, é importante que se tenha um dinheiro extra guardado se quiser continuar apostando nas rodadas subsequentes. Se você está no carro certo, não vai querer descer no meio da estrada.

Por fim, tem que haver afinidade entre investidor, empreendedor e propósito do negócio. Sabe aquele clique? Ele precisa acontecer. Sem isso, fica difícil avançar. Lembre-se que um investidor é alguém que irá conviver com fundadores, estar a seu lado nos momentos difíceis e ralar muito para fazer aquela startup dar certo.

Boa sorte com seus investimentos!
 

Fonte: www.epocanegocios.globo.com – 19/10/2017 – *Por Renato Mendes

*Renato Mendes é sócio da Organica, professor de Marketing Digital do Insper e mentor Scale Up da Endeavor Brasil. Já empreendeu, ocupou posições de liderança em startups, foi advisor de fundo de venture capital, mentor e investidor dessas estrelas da nova economia.